Brancos
os tigres me observam.
Não sabem
se me lambem ou me devoram
os tigres da memória.
Os cães de Hilda uivam
enquanto
passam as caravanas
vazias
de palavras e gentes
. . . . . . .. . .[... ao vento.
Todos os dias leio
Rodrigo.
(duas vezes por dia)
Os seus cachorros
são azuis
as minhas garças
rosas.
Sem
nenhuma obsessão.
Garças rosas
desafiam a lógica das cores dos bichos.

Todos — deveriam ser azuis.

Como as pedras, as árvores
e as maçãs.

Sob o céu vermelho dos meus delírios.
Moram peixes azuis
no fundo dos meus olhos
quando miram o céu
de primavera
. . . . . . . . . . . . . [... quase.
Garças brancas
sobre o lago impassível:

/ movimento / e não

Tudo
na natureza se equilibra.

A cada dia que amanhece
dizem
partem pássaros
dos infinitos ninhos dentro de nós.
Hoje, ainda de madrugada
um pássaro vermelho
atravessou meus olhos e foi
rumo ao dia de sol.

cumprido
o ritual atávico dos amanheceres
pássaro e dia seguem
pra não voltar
o pássaro
no_ fio_ molhado_ dos_ meus_ olhos
canta sol
quero manter meu coração
sempre verde
sangrando em seiva
que nele possam
se abrigar muitos pássaros
metafísicos
(e não)
atropelei um pássaro na rua hoje
e ele era branco
(doeu em mim)
pedi perdão à natureza
ela me respondeu
num vento ameno
me isentando de culpa
(continua doendo mesmo assim)
branca e frágil — perfume doce
uma flor nasceu no pasto
literalmente
desafiou a náusea e o (c)asco
veio o primeiro
cavalo da cidade
e a pisou
águas vivas queimar
buscar a pérola

inventariar
naufragados navios

(memória e ferrugem)
a concha
que não quis ser tocada
seguiu
o destino das conchas
que não são tocadas:-
secou

(sem conhecer a pérola)
celeiro vazio:- nenhum grão
definitivamente
os pássaros
não virão

nem os ratos
viro bicho
quando pisam no meu pé
que vira pata

pardos
somos todos ao pôr-do-sol
quando tudo se iguala
e a vida se nivela
(átimo)
até que as luzes se acendam
e nos revelem
gatos
gato no telhado
tantra
cão no quintal
quasar
sapo no mangue
mantra
boi no pasto
prana — paz
[... e a noite
roça em mim
bem do meu lado fingem dormir
personagens
do último livro que li — um truque
para que não os esqueça
feito vento sopram folhas
sonho com o Huang He
antiga serpente
domesticada pelo grande Yü
lóngs — vermelhos sobrevoam
no céu de fogo da memória
piam corujas do lado de fora

dentro
mais agourentos

outros bichos nos devoram
enlouquecida — a memória recolhe
lascas de pedra
e joga fora
os diamantes
feito pássaro — faz ninhos
com fitas de cetim
e enfeita
os cabelos com gravetos
sibilos na noite sufocam as pedras
e o relógio da sala padece
do seu próprio tom
pássaro noturno
matematicamente pia
[esquivo-me de crer
no que meus olhos lacrimam ver]
cria — das chuvas e dos ventos
tão claramente ouço
o que os esquilos tramam
nas horas subterrâneas
ratazanas brancas
um susto

risca de giz
no subsolo de Paris

e a torre treme
inteira

sob o medo da bomba
rangem
as velhas tábuas corridas
emboloradas telhas
domésticas teias
lamentos
passos no corredor
correntes
secular desvão
onde raposas fazem ninhos
e pássaros não

chacais são os donos dos guetos
peixes miúdos tragam
o pó o fumo a fome
cinzentas guelras já nem de lembram
que um dia — vermelhas
flutuaram
em céus azuis
e além do morro
outros meninos sonham
em seus aquários de cristal
— vida tão frágil
já não há fronteiras — guerrilhas
território do medo
o olhar do macaco
atrás das grades

é puro

[... reflexo dos nossos
por isso dói tanto

um cão estranho me olha e segue
com seus olhos de cão

estranho

olhos de ser feliz os olhos do cão
não vai saber nunca

dos humanos olhos fundos de doer
tanto
nômades — querubins sibilam
gregorianos cantos
sob picos nevados
pairam
e observam:-
matilhas
no inventário dos lobos
na disputa dos restos
crocodilo imenso sobre o Nilo extenso
mimética fauna
que se confunde e se conforma ao meio
cinzento, o meu cão
da cor do chão do meu quintal
pássaros todos pardos
da cor dos meus óculos de sol
humanas faces pálidas
da cor do nosso medo de voar
(crisálidas)
intelectivos
lêmures atlantes na selva urbana
predadores à espreita
sobre os edifícios sob o subsolo
sob e sobre tudo
dentes e garras
Madagascar distante
ilhas que flutuam — crescem os olhos
espíritos da noite [... lamentos
o pássaro que mora em mim insiste e canta
pressentindo sóis
nascentes
tolo, não se deu conta ainda, de que a noite
abissal em que vive
nunca amanhece
pandos eunucos
bandos
teias de aranhas
brancas
olhares sépios
celsos
centuriões atômicos
e a vida: — banzo
senti o tempo — lobo cinzento
surgindo na colina
não era noite inda não era dia
antiga hora
em que os mortos ressurgem
em sombra
que faz uivar — o lobo do tempo
fogo apagou — gritava o pássaro
da minha infância
pressagiando as cinzas
que viriam
o tempo
corrói a vida pelas bordas
insaciável
já devorou
mais da metade do que sou
[...ou do que fui?
e nos setembros
ele arranca pedaços
inteiros
os cães das horas uivam
prestes
a devorar mais um setembro
antes
deixem-me agradecer
por tudo
por todos - por tantos
agora sim:- soltem os cães
pretos
pássaros pousam
no fio
desencapado
dos meus nervos
as flores secas
os pássaros se foram
sequer há vento
a soprar as cortinas
peixes flutuam
no céu azul lá fora
— enquanto eu me afogo
no aquário hermético
do meu quarto
rompido o limiar
entre a exaustão
e o abandono
redemoinho no mar
sou peixe azul
pequeno
que se deixa levar
queria fazer
um poema de pássaro (ainda)
daqueles que fazem crescer asas em nós
mas a pele dourada do céu
em breve travestido de sombras
(manto negro hoje
sem seu bordado de estrelas e seu colar de lua)
me angustia
volto para o ninho
(onde os pássaros mudos adormecem)
deixo para amanhã meu canto
(caso amanheça)
por que meu coração é um redil
de ovelhas loucas
contidas
por contornos tão frágeis
— apascenta-me
verso


febre
parábolas das águas ternas
termas
gêiseres inquietos
nascentes
vulcânicas rochas quentes
onde
lagartos
se estendem
até mudar de cor
[... talvez
de pele
há muito deixei de contar
os livros que li
vaidades
prefiro contar estrelas
passarinhos no fio
voares
lírios e pedras roladas
na beira do rio
delírios
rajadas de vento
amoras
fosse flor — o verso
arrancava-lhe as pétalas
pássaro fosse
— as penas
é verso só
arranco-lhe a pele apenas
e deixo sangrar
rosas de silêncios brotaram
vermelhas
como são os silêncios [vermelhos
quando brotam]
quando secarem [se
vou cultivar palavras
neste mesmo canteiro
quando encontrar sementes [se
não parar a chuva
e os silêncios crescerem [baobás
construirei minha casa [sobre
virão os pássaros [negros
pássaros de silêncio
céus e coisas criadas seguem
em movimento
na revolução das esferas
(o asno titubeia)
o bem e o mal ainda
montes de feno
dourados sob o mesmo sol
feras nos habitam — todas contidas
(imaginária linha)
farpados neurônios — cerca viva
do que chamamos alma
que vive aprisionada
dentro de um outro bicho — a que
chamamos corpo
estranha fauna — zoológico
do absurdo
dançam as salamandras dentro
dos nossos olhos
quando miram fogueiras
enquanto leopardos devoram
nossas carnes tenras
lentamente
e sobre nossas cabeças - nuvens
de anjos sopram
brisas e orvalhos
e chovem lágrimas
num esforço supremo
assim não fosse
há muito, a terra inteira ardia:-
que o inferno é aqui
onde também paraíso
dérmicas escamas sopradas pelo vento
barbatanas
revérbero dos peixes
e outros seres do abismo
mundo invisível onde a luz é apenas
miragem
quem?
habita meus olhos
onde?
a máscara do sol
quem?
sabe dos sonhos submersos
das camadas da pele
do sal dos olhos míopes:-
cristalinas águas a se perder contidas
pelas ásperas bordas do vazio
[... vejo escamas
sobre as águas agora
seres abissais que se rebelam
ou vento
a me dizer – respira